Terra

Não esperava encontrá-la assim, após um preguiçoso virar de página, numa tarde branca, de poucas forças. Se tivesse desistido de folhear a revista para checar o celular ou simplesmente pendurar os olhos em um ponto aleatório através da janela, não a teria visto. Ou melhor, ela não teria aparecido para mim.

Pois lá estava ela, a Terra, suspensa no breu, como a viram os astronautas e como passamos a vê-la, nós todos.

De susto, arriei. E me sentei no chão da Lua, onipresente no primeiro plano da fotografia. Não sei como, mas, daquela distância abismal, enxerguei, nas funduras do nosso casulo azul, um grão. E, dentro dele, a dor humana. O que, até aquele momento, tinha a extensão do cosmos, somada ao peso de todas as estrelas, naquele instante, passou a caber num minúsculo grão.

Por efeito da perspectiva ou pelo arroubo de beleza – ou, uma terceira hipótese, por me descobrir viva naquela tarde – a face mortal da existência  se transfigurou em matéria ardente, multiplicação celular, vir a ser, futuro. Era tão óbvio lá de cima. Uma semente, embalada pela Grande Mãe Gaia, contém mundos, galáxias inteiras, principalmente aquelas, por ora, desconhecidas. Além do mais, do barro nascemos, ínfimos e, se a ele voltamos, enlameados de perplexidade, apequenados por todas as coisas que nos escapam, é para que possamos refazer nossos contornos, renascer em corpo e em espírito.

Chafurdava nas entranhas da Terra quando a atendente anunciou minha vez e, segundos antes de fechar o exemplar, algo se fez grito:

– Nenhum tormento é estático, tudo é água – berrou o planeta, para que, da Lua, eu, astronauta, o ouvisse.