Recentemente, duas amigas barraram a tinta e estão permitindo que seus cabelos adentrem a era prateada da vida. Ambas, como eu, estão dobrando a esquina dos 40.
O noticiário informa que o grisalho feminino está na moda – o masculino sempre esteve, então nenhuma palavra a respeito. Não acredito que minhas amigas estejam respondendo às tendências. O que elas estão manifestando através da aparência é muito mais pungente.
Minha mãe levou um ano todinho para se saber grisalha. A cada 60 dias, foi cortando as pontas tomadas de uma cor aloirada que nunca lhe pertencera, mas que, nos últimos tempos, camuflava os brancos com mais eficácia. As madeixas negras afundam na memória, como também o manequim 38, os dentes alvíssimos e tantas outras evidências de juventude. Tudo bem. Ela está em paz com os quase 70. Para quem chegou até aqui não faz sentido insistir em outra coisa que não o desapego.
Uma amiga, por volta dos 50, sobreviveu à pressão familiar e hoje sorri ao dizer: “Não preciso de disfarces”. Outras duas, da mesma faixa etária, também estancaram a química e já apresentam uma faixa pálida na raiz dos cabelos. Em todas noto uma aura incomum, como se tivessem sido ungidas com uma beleza difícil de encontrar. Desde então, sustentam o olhar com a segurança de quem decifrou um enigma.
Soube ainda de uma mulher que, dada a importância dessa decisão, dedicou a ela um ritual. Admirou-se no espelho, se despediu dos cabelos tingidos por imposição do trabalho – certas áreas são espartanas quanto ao código estético – e passou a máquina. “Precisava saber quem eu era àquela altura da vida. Queria me ver nua”, ela conta, firme como uma imperatriz.
Minha primeira reação diante dos brancos foi afugentá-los, como fazemos com os insetos. Comecei arrancando um fio aqui, outro ali. Devia ter 20 e poucos. Achei prematura e até injusta aquela infestação. Como se a juventude estivesse se esvaindo antes da hora.
Avançada nos 30, recorri ao tonalizante, mais leve, sem amônia. Não suportei a visão de uma cabeça envelhecida – ou a exibição de uma cabeça envelhecida – e me agarrei ao castanho de uma vida toda, ainda que artificial, ainda que efêmero. Mês que vem eu repasso! E no seguinte também. Até quando? Não sei. Sigo fiel à “maquiagem capilar” – estágio anterior à tintura.
Como minha mãe repetia: “A tinta é uma prisão”. Talvez eu me liberte dela, depois dos 40. Ou dos 50. Quem dera eu tivesse coragem de ser livre. Agora.